segunda-feira, 1 de julho de 2013

There's no safe place



"Quando tá escuro e ninguém te ouve
Quando chega a noite e você pode chorar
Há uma luz no túnel dos desesperados
Há um cais no porto pra quem precisa chegar"
Lanterna dos Afogados - Herbert Vianna


A gente não conhece a dor. A gente reclama de dor de coração partido, de saudade de quem foi morar longe da gente ou de quem simplesmente decidiu ir embora da nossa vida. A gente reclama de dor de cabeça, de dor de garganta, daquela dor insuportável no dedinho do pé quando a gente chuta a quina de algum móvel de casa, mas a gente não conhece a dor. Não de verdade.

Na verdade alguns de nós conhecem a dor. A mais profunda delas, aquela que faz a gente se sentir na ponta de um precipício no meio da escuridão. A dor de perder alguém. E eu não digo perder alguém no sentido melancolicamente romântico, mas no sentido de perder alguém para a morte. A única coisa sem solução na vida. 

Sabe, a gente vê notícias ruins na televisão todos os dias. Mas algumas delas são realmente ruins. São muito ruins mesmo. Tão ruins que te afetam de um jeito muito pesado, como se alguém tivesse colocado um armário nas suas costas. E você carrega esse armário o dia inteiro. Às vezes a semana inteira. Notícias como um incêndio em uma boate, criminosos que colocaram fogo em uma dentista por ela não ter dinheiro e outros criminosos que matam uma criança porque ela não parava de chorar durante um assalto. 

São coisas assim que fazem eu me sentir muito pesada. E sentir medo. Muito medo. Medo de ir ao banco,  medo por mim e pelas pessoas que eu amo, medo de ser assaltada e não ter dinheiro, e de ter dinheiro, e de reagir, e de não reagir, porque hoje as pessoas morrem de qualquer jeito. Hoje os bandidos matam só por matar. É nessas horas que o medo toma conta de mim. Eu choro pela perda dos outros porque eu vejo nos olhos dos outros essa dor que eu não conheço. E eu tenho medo. Eu choro porque eu me coloco no lugar dessas pessoas. Eu choro porque eu sei que um dia todos nós conheceremos a dor, porque tão inevitável quanto a vida, assim é a morte.

Às vezes eu penso em fugir daqui. Fugir dessa cidade que eu amo com todo meu coração. Eu fico pensando em qual lugar no mundo poderia ser seguro o bastante para me abrigar e abrigar a minha família e aí eu chego a conclusão de que não existe lugar seguro. Coisas ruins acontecem em todos os lugares, em todos os cantos do mundo. E para morrer, como diz a minha mãe, basta estar vivo. Mas a gente não pode deixar o medo tomar conta. A gente precisa viver apesar da dor, das perdas, dos riscos. A gente precisa viver apesar de. 

A gente não conhece a dor. Não integralmente. A gente conhece as vertentes dela. Essas pequenas dores que mais incomodam do que doem. Esses pequenos choquinhos que dá no coração da gente e arranha de vez em quando. A dor, em sua totalidade, é como um roubo de alma. É quando te tiram o chão e a luz e você fica na escuridão, sem saber o que fazer. Sem saber pra onde andar. Sem fé, sem rumo, sem remédio e sem poesia. Mas a gente sabe disso. A gente realmente sabe. Mas a gente continua vulgarizando as pequenas dores da vida porque é muito mais fácil viver com elas. E no fundo, bem lá no fundo, a gente agradece por tê-las. Porque quando a gente conhecer a dor de verdade, o resto do mundo vai ficar pequeno demais pra respirar, pra caminhar, pra viver. Mas a gente vai ter que aprender, reaprender, sobreviver. A gente vai ter que seguir ainda que despedaçados, ainda que com medo. Porque a vida não acolhe ninguém, mas existem coisas na vida, existem alguns momentos que fazem valer a pena seguir em frente. Porque pra cada coisa ruim, uma coisa boa acontece. Mas e se der medo? Como é que dizem? "Vai com medo mesmo".

11 comentários:

  1. Ai gente, que texto dolorido. E olha que ele é sobre a gente não saber o que é dor! De fato, é difícil vivermos sem medo, mas a gente tem que tentar. Tentar é tudo que nos resta. Cada dia é uma vitória e, veja bem, você já tem 20 anos de vitórias. Eu concluí recentemente que o único jeito de suportarmos a existência e conseguirmos respirar sem medo é viver sem ficar pensando milimetricamente nas coisas, tentar ser espontâneo. Tente. Comigo tá funcionando.
    Qualquer coisa que precisar, estarei aqui.
    Abraços <3

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  2. O problema da dor é que ela precisa ser sentida, né? Já nos disse sabiamente John Green. E a dor, ela dói. A gente a conhece sim. Não conhecemos as maiores, thanks God, mas as nossas não deixam de doer por isso. E realmente, que bom que elas existem, porque sem a dor nem saberíamos também o que é o prazer.
    E eu também tenho muito medo dessas dores maiores, e enquanto lia esse post, respirei fundo e agradeci pelas minhas pequenas. Que enchem o saco, mas só isso!
    Beijos!
    Te abo!

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  3. "Mas a gente não pode deixar o medo tomar conta. A gente precisa viver apesar da dor, das perdas, dos riscos. A gente precisa viver apesar de. "

    O medo já tomou mais conta da minha vida, hoje nem tanto e quando a essa dor maior sofri ela em Fevereiro e acredite, não passa fácil.
    Saber que não vou ver mais a pessoa, ter que conviver com a ausência. É foda!
    Quanto as pequenas dores a gente segue com elas.

    Beijos

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  4. Quando teve o incêndio na boate Kiss eu fiquei umas 2 semanas chorando antes de dormir.
    Não conhecia ninguém, nem parente de ninguém, nem se quer sabia sobre quem estava lá. Mas eu fiquei mal, muito mal, com aquilo.
    Eu procurava mais e mais notícias, achei o perfil no twitter que MORREU lá, li os tweets, chorei mais...
    É estranho como a dor nos consome das maneiras mais estranhas possíveis.

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  5. Que post incrível, amiga! Fiquei me sentindo num episódio de Grey's Anatomy, como se suas palavras fossem um monólogo da Mer. É bem o tipo de coisa que ela diria, tirando o fato de que ela sabe bastante sobre dor. Eu acho difícil pensar sobre as dores de verdade, porque acho tão difícil lidar com as pequenas, imagina só com as graúdas! Quando eu era mais nova essa coisa de violência me assombrava, lembro que tinha medo de tudo, entrava em pânico só de sair a pé e a saída é abstrair, parar de pensar. Porque se a gente realmente para pra pensar em tudo que pode dar errado, em tudo que ainda vai doer, vai ser muito difícil sair da cama todos os dias.

    Beijos!

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  6. Dor de verdade é a dor da perda de mãe, de pai, de entes muito queridos. O resto é apenas amostra grátis. Beijos

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  7. Que texto!
    Você sempre sabe como escrever, amiga, e eu sempre fico besta. No meu primeiro dia de UFES, o que eu mais senti foi medo. No intervalo, cheguei em casa e desabei, literalmente, no chão da sala daqui de casa. Eu desabei, fiquei uns bons 30 minutos chorando de soluçar e pedindo a Deus por uma luz. Abri o twitter e li um guri postando "Vai. E se der medo, vai com medo mesmo". Juro pra você que interpretei como sinal, e aí chorei mais ainda, mas foi pela beleza da coisa.
    A gente tem muito medo. A gente tem medo enquanto respira. O negócio é ter coragem de procurar a coragem e ganhar a batalha contra o medo.

    Te amo!
    Beijo <3

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  8. Marie, Marie, Marie.
    Senti cada pedacinho das suas palavras daqui, cada gotinha desse medo e dessa angústia que te fez escrever, porque do lado de cá, compartilho dete peso deste armário que dia após dia a gente carrega, só de reconhecer a dor nos olhos dos outros, mesmo sem senti-la. Só de imaginar e pensar que algum dia, algum dia...
    "A dor, em sua totalidade, é como um roubo de alma. "
    Nada mais verdadeiro neste mundo que essa frase sua, essas nossas dores são realmente pequenos choques, mas quando a dor de verdade chega na vida das pessoas, ela rouba a alma e é isso que vemos nos olhos delas, ou melhor, não vemos: a alma.
    O olhar é vazio, sem brilho algum, sem alma, sem esperança. :/

    É por isso que a cada dia tento aumentar minha fé, porque só ela pra nos dar forças e enfrentar o medo de algum dia sentir essa dor verdadeira.
    Que Deus nos livre dela. Que nos livre.

    Texto incríveeeeeel!

    E como a Anna Vitória disse, foi muito um monólogo da Mer.
    Ai Greys. <3

    Beijão.

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  9. Em algum momento a gente precisa se fechar e parar de sentir a dor dos outros. Mais cedo do que tarde, chega pra gente a nossa própria dor. Desculpa se sou cruel e insensível, mas eu não tenho estrutura pra aguentar a dor dos outros e a minha também.

    É complicado, meu bem... Não doa por causa disso. Entenda, mas não doa. Pratique a insensibilidade. É a única forma que eu consigo imaginar pra sobreviver.

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  10. Que linda, sabe, de verdade essa forma boa com a qual tu te expressa. Sinto esse medo também. Depois que a gente sobrevive a essas dores românticas, percebemos o quão pequenas elas são diante de dores maiores, diante da própria vida. Assusta esse risco de perder de verdade quem a gente gosta, e de forma cruel, desumana. O que podemos fazer é cuidar, tratar bem, manter perto as pessoas que amamos, pra que se sintam amadas e saibam de sua importância. Depois que a gente perde, só nos resta lidar com o luto. beijão lindona, e sucesso, sempre

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  11. É, amiga, a vida tem desses medos enormes que aparecem quando a gente chega mesmo que minimamente mais perto da dor. E é angustiante como não existe remédio a não ser viver com medo mesmo. A gente só pode tentar contornar os nossos e torcer pra não conhecer a dor de verdade tão cedo, e pra que aqueles que nós amamos não conheçam nunca. Te amo!
    Beijo.

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