quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Da falta


"A vida é sempre a mesma para todos: rede 
de ilusões e desenganos. O quadro é único,
 a moldura é que é diferente."
Florbela Espanca

A música está alta, as bocas e os copos estão cheios, os peitos estufados, mas todas aquelas pessoas estão vazias. Cada uma delas, andando pelo salão lotado, esbarrando umas nas outras, sorrindo por fora e sentindo sabe-se-lá-o-que por dentro. A menina também está ali, parada naquela rodinha de gente bonita. Ouvindo as histórias de sempre, as piadas de sempre, as risadas de sempre. Não que ela não gostasse daquelas pessoas, muito pelo contrário.

A questão é que ouvir a mesma coisa sempre, cansa. Ela está cansada da mesmice da vida, das pessoas que ficam sorrindo por aí o tempo todo, como se não se cansassem nunca. Mas ela também está ali, sorrindo só para não bancar a chata. Vez ou outra ela estala o pescoço, vira os olhos e vira também a bebida do copo, na boca. A festa está cheia, as músicas estão ótimas e a garota até arrisca uns passos quando alguns amigos a chamam para dançar, mas apesar de tudo isso, aquela garota sabe que falta alguma coisa.

Ela está rodeada de pessoas das quais ela gosta, ouvindo as músicas que ela gosta, falando sobre coisas que ela gosta, mas ainda assim, tudo aquilo está tão repetitivo. Tá tudo tão igual, que ela só consegue empurrar com a barriga. Caminhar por entre as pessoas procurando alguma coisa que nem ela sabe o que é. Alguém, quem sabe. Por esses passos aleatórios no meio daquele salão ela encontra conhecidos, sorri mais um pouco, usa do seu senso de humor no meio das conversas porque só assim consegue ser engraçada. Contando piada é que não dá, ela não tem esse dom. Faz algumas pessoas rirem, sorrirem e até a acharem o máximo. Aí ela some, dá mais umas voltas e volta pro mesmo lugar, para os mesmo amigos.

Ela só quer um pouco de adrenalina, de emoção, de alguma coisa que movimente um pouco a sua vida. Ela quer ser surpreendida. Ela quer conhecer pessoas novas, lugares novos, bebidas novas, só pra depois voltar para as coisas velhas. Depois de respirar novos ares ela volta correndo para os antigos amigos. Ela está em busca de alguma coisa no meio de tantas coisas. Ela está em busca de alguém, mas quem? Ela sabe, é claro que ela sabe. Ela sabe a falta que faz, mas fazer o que? Ela procura um só rosto no meio de milhões, procura um sorriso por entre esses sorrisos que recebe, procura um só jeito de ser, um jeito singular de ser, no meio de pessoas que nunca vão ser o que ela espera. Nunca vão ser quem ela espera.

Já dizia Adorno, a solução é despadronizar. Quebrar esses padrões para que se possa enxergar além. Mas ela não se importa de se apaixonar por outras pessoas, mil vezes ou quantas vezes forem possíveis.  Essa garota não se importa de sentir algumas coceguinhas no estômago e transformar essas coceguinhas em um amor inventado. Mesmo que acabe em um mês. Mesmo que acabe em uma semana. Ela não se importa desde que isso signifique que durante aquelas semanas ela não vai sentir esse vazio, essa sensação de que falta alguma coisa. É como uma distração.

Ela distrai a mente com os amores inventados só para não sentir aquela falta sempre. Aquela falta de sempre. Ela distrai a mente, porque o coração ela não consegue. Tá certa ela. Tá ficando mais racional, tá treinando driblar a falta, a ausência. Continua assim, menina, continua treinando, quem sabe um dia você não aprende? Quem sabe um dia a gente não aprende? Depois de muitas decepções não é coração que vai ficando mais duro, é o estômago. Assim, as borboletas não se plantam e não se agitam tão facilmente. Assim, o tempo passa e a cada dia nós temos menos estômago para todas essas coisas que a gente engole e aceita em silêncio. 

Dedicatória: Queria dedicar esse post para a Ana Lu que me pediu um texto citando Florbela Espanca. Beijinhos NaLu :)

10 comentários:

  1. "Assim, o tempo passa e a cada dia nós temos menos estômago para todas essas coisas que a gente engole e aceita em silêncio.". Matou a pau, Marie! Começando com Florbela, não podia mesmo ser menos que ótimo!
    Beijos!

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  2. texto forte, texto bonito.

    ou quem sabe um dia aparece alguém p/ amolecer o estômago e ficar, de verdade, no coração? :)

    beijo

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  3. Então uma hora a gente vai precisar vomitar tudo isso, tomara que seja em um texto bonito assim.

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  4. La vem você outra vez com um texto maravilhoso.
    E como a gente sente falta de ter alguém ne flor!
    Mas penso que na hora certa esse alguem aparece;

    Beijos flor

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  5. Acho que todo mundo é meio assim! Eu já passei por isso, vivia rodeada de pessoas que só me usavam, eu me sentia só, vazia..

    Adorei o texto! =)

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  6. Gostei do texto! É preciso mudar, inovar. Existe um mundo inteiro para ser descoberto, e apenas uma vida para ser vivida.

    Bjs.

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  7. Você escreve realmente bem. Sempre me apaixono por seus textos. Esse em especial falou de mim, leu o meu eu interior, aquele eu eternamente insatisfeito e eternamente a procura de algo que sabe muito bem o que é, mas percebe ser inútil persistir na procura. E Florbela... nem preciso comentar, né? Lindíssimo.
    Beijos!

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  8. "Ela não se importa desde que isso signifique que durante aquelas semanas ela não vai sentir esse vazio, essa sensação de que falta alguma coisa. "

    Eu também não me importaria, porque não suporto essas sensação de que falta algo.

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  9. Marie linda, esse foi o texto de que mais gostei de ler por aqui (sim, eu vivo vindo aqui hehe)!
    "Depois de muitas decepções não é coração que vai ficando mais duro, é o estômago. Assim, as borboletas não se plantam e não se agitam tão facilmente. Assim, o tempo passa e a cada dia nós temos menos estômago para todas essas coisas que a gente engole e aceita em silêncio." Vou colocar no meu caderninho, tá? Me identifiquei demais! Essa falta (e algumas outras) vivem e perseguindo e me tirando o sono. Mas vivemos e viveremos cada vez mais completas, espero.
    Beijo! :* <3

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  10. Oi Gê, sua linda. Gosto de te ver assim, determinada, vivendo sua vida apesar daquilo que dentro a gente carrega, e pesa. Teus textos estão sempre cheios das tuas verdades, o que os deixam mais bonitos. Continue sempre. Beijões.

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